Medo

O medo está presente em todos os seres vivos e, a princípio, é um amigo precioso. Mas seria possível controlá-lo? É interessante fazê-lo? Até que ponto ele interfere em nossa vida?

É quase impossível encontrar pessoas que não sintam medo de nada. Por mais que sejamos destemidos, ousados, corajosos, lá no fundo sempre há algo ou alguém que nos causa medo.

"Existe o medo do medo e o medo de depois do medo, existe o medo do que existe e o medo do que já não existe, existe o medo da morte e o medo de depois da morte, quando então, morreremos de medo..." (Drummond, sd).

O que se sabe é que o medo integra as três emoções básicas, (M.A.R. de emoções: o medo, o amor e a raiva) aquelas que antes de se nascer já se está propenso a sentir, como defesa inata da vida.

Com relação ao medo, qualquer alteração na rotina cria uma atitude ansiosa diante do desconhecido, tendemos a nos sentir inseguros. Não necessariamente são fatos objetivos, podem ser simplesmente imagens ou sensações.

Embora o conhecido, normalmente, traga segurança, aquilo que se sabe ser ruim também causa medo. Tememos perder a aprovação e o afeto de nossos pares.

O medo, então, muitas vezes, impede a criança e o adulto de enfrentarem perigos que poderiam ocasionar sua própria destruição. Por isso, é possível chamar o medo de ?amigo precioso?.
Por exemplo: se alguém deseja saltar de um avião, a inteligência associada ao medo da morte faz com que se procure um curso para aprender a utilizar um pára-quedas e poder alcançar tal objetivo com o menor risco possível.

Origens do Medo

medoO medo é um sentimento natural de defesa biológica que pode sofrer uma distorção psicológica e prejudicar o desempenho social das pessoas na coletividade, passando por sucessivas etapas, da seguinte ordem: medo biológico, medo condicionado, medo psicológico, ansiedade e fobia.

Em geral, percebe-se que o ambiente familiar está na maioria dos inícios de temores. Alguns são mais frequentes no sexo feminino, e outros ao masculino.

A superproteção, ansiedade, rejeição, preocupação e apreensão exagerada pelos pais são as atitudes que frequentemente interferem como o medo é percebido. Assim, é possível discriminar algumas situações:

Experiências pessoais desagradáveis: é frequente sentirmos medo do abandono por nossas figuras de segurança.

Informações de outras pessoas: com narração de histórias que podem intimidar (de fantasmas, assaltantes, bruxas más, madrasta malvada, invasão da terra por "ETs", o fim do mundo, o homem do saco que rouba criança e a transforma...);

Educação por meio de medo: mediante atitudes ou palavras agressivas e passíveis de punição, tais como "não faça assim, senão você vai ver o que te acontece..." sem dar a explicação para a consequência possível, deixando no ar uma ameaça terrível;

Medo por imitação: em um processo de modelação, em que alguém próximo tem medo e, de tanto verbalizar e expressar o seu medo com atitudes, influencia a pessoa;

Contingências de ameaças: o simples fato de estar em uma circunstância de brigas, mesmo que não diretamente com própria pessoa, podem desencadear os mais diferentes medos, por exemplo: abandono da casa, perda do emprego, agressões físicas, presenciar homicídios etc. Paradoxalmente, quanto mais sutis forem tais desentendimentos, mais confusa ficará a pessoa, por não conseguir identificar o que é e de onde vem o perigo.

Tratamento

Os medos podem e devem ser tratados, especialmente no caso dos medos psicológicos e dos medos condicionais (aprendidos e controlados por idéias irracionais), antes que se transformem em quadro de ansiedade generalizada ou fobias.

Não devemos esquecer que os medos psicológicos ou condicionais provocam sofrimento, pois afetam o bem-estar e a felicidade das pessoas. No entanto, os medos adaptativos das crianças pequenas desaparecem comumente com a maturação e por elas se habituarem às experiências que antes as assustavam. Esses medos podem ser descondicionados por exposição gradativa e atitudes de apoio.

Para se iniciar um tratamento, as atitudes dos familiares e das pessoas próximas devem ser investigadas, e os erros, corrigidos. Lembrando que não existem escolas que nos habilitem a sermos pais, ou amigos, e aquele que ama não erra de propósito.

  O medo começa a aparecer de acordo com a maturação neuronal da criança, o que é ótimo e saudável, para que a proteja.

Idade x Medo

Apesar de alguns medos serem comuns em idades específicas, é importante lembrar que isso não é uma regra, algumas crianças passam pela fase de desenvolvimento e não vivenciam tais medos. Confira a relação dos medos e a idade da criança:

Bebês que ainda mamam (lactantes) podem se assusta com qualquer estímulo intenso e abrupto, como ocorre na perda de apoio (pode ser por hiperacusias ou outro tipo de hipersensibilidade);

Dos cinco aos nove meses, manifesta-se o medo de pessoas, de coisas e de situações não-familiares;

Três anos em diante, a escuridão se converte em um fator que intervém na maioria dos temores, quando não é sua causa principal;

Período pré-escolar existe um aumento progressivo do medo de animais que mordem e, mais tarde, dos animais que parecem muito poderosos e destruidores.

Muitos temores infantis dessa idade estão relacionados a possíveis danos que a criança possa sofrer, seja por afogamento, fogo, acidentes que provoquem dor física;

Quando a criança cresce e já é capaz de assimilar o passado e de antecipar o futuro, seus medos passam a ser formulados em termos de perigos longínquos, imaginários, de uma desgraça que não a ameaça de imediato, mas que lhe poderia ocorrer no futuro;

Oito anos que surge a fobia da morte ou "ansiedade dos oito anos", "crise existencial", ansiedade de separação. O temor principal é o da morte da mãe, pois se apresenta como uma separação, ou, acima de tudo, um abandono. Mais tarde, a morte pode ser personificada por uma figura idosa, que leva a pessoa amada.

Medo Patológico em Crianças

Quando o medo se torna patológico, caracterizado pela associação de perturbações de conduta e mudanças de comportamento é importante encaminhar para atendimento clínico.

Entre os diversos medos que as crianças experimentam, existem alguns que são mais frequentes na formação dos quadros clínicos, tais como:

Medo de estranhos Quando o medo da aproximação de pessoas estranhas é demasiado pode gerar timidez e retraimento, e a persistência disso indica provável tensão ambiental, o que deve ser investigado;

Medo de pessoas conhecidas Do médico como personagem, do policial, da assistente social, da dona de casa onde a família mora... Esse medo, normalmente, está respaldado em ansiedades de seus familiares;

Medo do escuro Geralmente esse medo se inicia com experiências traumáticas: ou com outras crianças, ou com os próprios pais, ao falarem do escuro como castigo.

A criança pode se sentir isolada no momento de ir dormir e criar fantasias associadas à escuridão. O medo do escuro tem um componente filogenético, pois o ser humano não enxerga bem sem luz, de modo que a desaprovação desse medo por meio de humilhações para forçar a criança a vencê-lo é contraindicada, pois leva à ansiedade.

Medo do abandono Se a criança não se sente segura do afeto familiar, terá medo de ser abandonada. Quando está em público, imagina que os pais podem "perdê-la sem querer". Muitas vezes, ela presenciou um dos pais ameaçando abandonar o lar, o que pode fazer com que acredite que a qualquer momento, isso aconteça. Outro fator que pode desencadear o medo de abandono é o nascimento de irmão.

Medo da morte As crianças até 8 anos, tem mais dificuldade de fazer abstração sobre morte. A característica emocional desse medo é transmitida pela resposta emocional que observou das pessoas próximas diante da morte, assim as sensações físicas (choro, tremor etc) podem levar ao medo psicológico ligado à morte. Com isso, sente medo de que uma pessoa de seu círculo pessoal possa sofrer um acidente ou morrer e todas as sensações voltem.

Medo de hospitalização ou de tratamento Em nosso meio cultural, a assistência médica à criança é (ou deveria ser) assídua, com visitas ao médico, tomada de vacinas e com os exames profiláticos, que podem associar à dor e fazer experimentar este medo psicológico.

Medo de escola O medo ligado à escola tem várias vertentes, a mais tradicional tem a ver com a primeira experiência, no início da escolarização ou com transferências e mudanças de série, pois significam contato com o desconhecido.
Ainda, deficiências escolares podem gerar o medo, quando os pais e professores exercem cobranças, punições ou expectativas muito altas.
Outras vezes, o medo aparece por obter sucesso escolar e com isso perder atenção diferencial que se obtém com o fracasso. Não que a criança tenha percepção disso, simplesmente age e, aparentemente, se "boicota". Além disso, existe o bullying, cada vez mais comum no ambiente escolar, que se caracteriza por ameaças ou agressões de colegas, o que naturalmente provoca o medo.

Medo de personagens irreais O famoso "boi da cara preta", do "bicho-papão" quando constantemente apresentados a criança como forma de controle, por exemplo: "não faça assim, senão o bicho papão vai te pegar" fazem com que a criança tome como realidade a existência do mesmo, mesmo que nunca tenha visto o tal do bicho papão, o que faz a imaginação tomar conta, e cada um ter seu próprio bicho papão.

Medo em Adultos

Nunca se falou tanto em medos quanto nos últimos tempos. Entre eles o medo da violência, de doenças, do fracasso, isto é, de "não ser bom o bastante" para dar conta de tantas coisas. O homem sempre viveu situações de medo, como a das guerras e a da fome. Mas neste momento, é a coexistência deles desencadeia ainda mais tensão. Todos os tipos de medos relatados na criança podem retornar com maior intensidade na idade adulta. Os medos mais comuns em adultos são:

Medo de elementos insólitos Movimentos inesperados, modificações da luminosidade, deslumbramento, obscuridade, quedas, perda de equilíbrio, ruídos estranhos ou em excesso, de origem desconhecida, movimentos de certos aparelhos mecânicos.

Medo dos elementos naturais Pelos quais sente ao mesmo tempo atração, entre eles, silêncio, fogo, ondas do mar, trovão.

Medo de animais Animais que mordem, perseguem que são viscosos ou sujos. Como cachorros, cavalos, animais selvagens, ratos, cobras.

Medo da sujeira Esse medo é partilhado pela maioria dos seres humanos e trata-se de medo filogenético, de prevenção de doenças.

Medo do olhar alheio Medo da avaliação dos outros, também é partilhado pela maioria dos seres humanos por ser filogenético, pois, como somos seres sociais dependemos da aprovação do outro para sobreviver.

Ambientes fechados Receio de estar em perigo em recintos fechados (num aposento de porta fechada ou num elevador em movimento.

Ambientes abertos Medo quando em espaços mal limitados ou muito abertos, nos quais a criança se sente só, estranha, longe de qualquer ajuda possível.

Qualquer pessoa, a qualquer momento de sua vida, pode, por uma ou outra razão, ser acometida por um medo tão intenso que chegue a atrapalhar seu desempenho no cotidiano, e é neste momento que acontece a grande procura de clínicas especializadas para tratamento.

Sugestões de Leitura

Ajuriaguerra , J. (1980). Manual de Psiquiatria Infantil . RJ: Masson do Brasil . Bernick, M. A (1989). Ansiedade. Revista Brasileira de Medicina. Vol.46, no 4, p. 99. Bijou, S. W. & Baer, D. M. (1989) O desenvolvimento da criança: uma análise comportamental. São Paulo: EPU. Corassa, N. (1996). Síndrome do carro na garagem. Suplemento Viver Bem da Gazeta do Povo. Ano XIII, no 661, p. 24. Corassa, N. (1996) Medo pede carona. Revista Veja. Ano 29 , no 44, p. 100 Corassa, N. e Mestre, M.B.A. (1998) Síndrome do Carro na Garagem, Fobia de Dirigir. Pôster apresentado no VII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental. Campinas, São Paulo Corassa, N. (2000). Vença o medo de dirigir - como superar-se e conduzir o volante da própria vida. São Paulo: Gente. Delumeau, J. (1996). História do medo no ocidente -1300-1800- uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras. DSM-IV (1994). Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais. Duby, G. (1995). Ano 1000 ano 2000, na pista de nossos medos. São Paulo: UNESP (FEU). Falcone, E. (1995). Cap. 14 A relação entre o estresse e as crenças na formação dos transtornos de ansiedade. Em Zamignani, Vol. 3: Sobre Comportamento e Cognição. Santo André: ARBytes. Gray, J. (1976). A Psicologia do medo e do "stress". Rio de Janeiro: Zahar. Grunspun, H. (1966). Distúrbios Neuróticos da Criança. RJ: Livraria Ateneu S.A. Brasil Ross, A O (1979). Distúrbios psicológicos na infância. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil.